Porquê esta estranheza ao imaginar o fim da política? Talvez seja a falta de ar que sentimos quando somos confrontados com algo que está para além de nós. O enjoo de uma tarefa frustrante, da redundância, da lógica circular. O contemplar de um abismo tão profundo que nos reduz a um grão de areia e o desconforto que isso nos causa. O sintoma recorrente de quem encara o seu abismo, seja ele qual for — a política, o fim do curso, a abstração — é o medo. Por vezes é tão intenso que nos apetece desatar a correr, mas o que queremos demonstrar é que é possível enfrentar este abismo e mergulhar nele. Para isso é preciso entender que este precipício não é real, que se configura como uma barreira mental entre um sujeito e um conceito. Que o desconforto que deriva da sua contemplação, por mais real que pareça, pode ser enfrentado. Resistir a estas barreiras mentais é emancipar-se, tornar-se livre.

Depois de mergulhar no abismo, enfrentando o medo do desconhecido, há novamente uma sensação familiar, de queda, semelhante à que nos puxa de um sono profundo. O primeiro sintoma é a dormência provocada pelo fascínio da informação que se move e aparece mais rápido que o corpo em queda. Uma viagem. Um percurso longo e, eventualmente, um ajuste.

O momento em que o espaço se expande, em quO momento em que o espaço se expande, em que alguém entende que a queda é tão real quanto o abismo que contemplou anteriormente, quando o sorriso lhe regressa aos lábios e profere, com confiança, “Eu consigo!”. Nesse momento aquele corpo que caía a pique descobre que sabe planar e o nada para o qual mergulhava começa a encher-se de signos que reconhece cada vez mais facilmente. Lentamente vai perdendo o medo, porque passa a conhecer, porque o desconhecido já não assume o perfil assustador que o petrificou.

No fim, quando fita solo em que pousar, o sujeito carrega consigo os pedaços que recolheu de cada metro da sua queda. Os ombros pesam-lhe mas planar tornou-se cada vez mais fácil. Quando aterra, respirando de alívio e orgulhoso, estranha a rigidez do mundo que o rodeia. A fluidez que existe entre cada conceito e a bagagem que carrega movem-no em direção a um novo caminho. Transformar, criar e adaptar surgem como ambição de alguém que se conhece melhor, que encontrou uma margem de si próprio e decidiu saltar. Então, novamente, agora com o sabor amargo da nostalgia, um novo abismo, um novo começo.